terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Um iceberg

Olho para a imensidão de água calma e silenciosa. E consigo ver em algum ponto uma formação de gelo que emerge da água. Esse ponto causa-me frio. Um frio de leve, mas constante. A mesma sensação de estar equilibrando na palma da mão uma adaga pela ponta de sua lâmina. Ela é suportável, mas não a sua permanência. É preferível qualquer outra situação, mas não o eterno equilíbrio da adaga pela mão.

Sei que o bloco de gelo é bem maior do que consigo avistar. Ele se esconde nas profundezas da água. Toda a sua raiz jaz bem profundamente no oceano. Como vive escondido, é a eterna ameaça. É a adaga que pressiona, com o seu peso, a palma da mão.

Quero vê-lo, senhor Iceberg! Quero conhecê-lo, quero vê-lo em toda a sua dimensão, em todo o seu detalhe. Quero ver a sua raiz e onde você se agarra com ela. Quero sentir todo o frio que carrega em si, tão penetrante como a mais afiada espada. Não tenho mais por que tême-lo, senhor Iceberg! O que Senhor pode fazer a mim? Congelar-me?? Congele-me então, Senhor Iceberg! Eu posso aceitá-lo, Senhor! Aceitar toda a sua dimensão e todo o seu frio. Você me têm, não é mesmo? Pois faça o que quiser!

Nada é constante, senhor Iceberg, e mesmo as montanhas se movem! Você também não o é! Você derreterá quando vier à tona. Você se perderá no meio do oceano e, com suas moléculas tão separadas, não mais existirá. Não carregará mais o seu frio intenso. Você será apenas água! Porque na verdade, você não me tem, assim como não o tenho. Nós somos ambos criações e ambos iremos desfazer-nos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A respeito de um verbo

Vinha sentindo uns comichões depois de algum tempo sem escrever. Não posso dizer que tenha me faltado assunto. Algumas idéias fixas assaltaram-me à noite, no meio do sono, ou em outras horas impróprias, que são as horas em que a inspiração gosta de bater à porta. Eu poderia tê-la feito entrar, recebendo-a com entusiasmo. Mas preferi reprimir essas idéias todas, em prol de uma causa outra.

Agora que detive-me para deitar ao papel algumas palavras, deparei-me com um vazio desorientador. Sobre que poderia falar? Deus? O homem? Amor? Paixão? Ou quem sabe discorrer sobre a forma correta para se levar uma vida bacana? Considerei que já havia demais afirmação espalhada por todos os espaços de manifestação humana. Eram tantos discursos, tantas idéias, batendo-se elas todas sem qualquer comunicação. Não, eu não iria lançar mais uma verdade fenomenal, mas falar de algo menos grave. E se não há lá outro assunto leve e interessante, por que não pode o escritor falar sobre o verbo cuja ação dá origem ao seu ofício?

Venho fazendo terapia com as palavras. Ao passar para o papel as dores, dúvidas e inquietações, experimento a sensação da criação, pura e nobre, que se não suprime aqueles outros sentimentos, ao menos alivia ou compensa.

Há ainda outro ponto interessante. À medida em que a vida vai se esvaindo nesse plano, ao ser transplantada para o papel vai sendo recriada nos sujeitos e predicados. O que se perde aqui se acrescenta ali. É como ir tirando as moedas de um saco para pô-las num outro. Assim, quando a dose for suficiente e sentir-me saciado da vida, resta-me ainda como saldo um saco de moedas. E agora me ocorreu usar um adjetivo talvez um tanto inapropriado para as moedas, mas seriam fresquinhas.