segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A ponta de um drama

Veio assim sem avisar e o assolou em poucos dias. Quando deu por si, já era tarde. Ao aparecer o primeiro sintoma da paixão, duvidou que fosse. Depois, considerou que, caso fosse, convinha sufocá-la logo, antes que a coisa ganhasse corpo. Seria um despropósito. Sim, urgia sufocar logo. E resoluto, pôs-se a empreender tal feito. Mas não havia mais que fazer. Quando apareceram os primeiros sinais é porque já se instalara o germe da paixão. E agora crescia a olhos vistos.

Percebia que se encontrava num estado de torpor, como se o efeito do vinho não tivesse desaparecido e o sangue que lhe fervera nas veias não voltara a ser o mesmo de antes. Ao ter consciência disso, estremeceu. Apaixonar-se? Ridículo! Ele lá tinha idade para se apaixonar? Velho, depois de tanto tempo, tanta estrada, sentimentos outros... Sentiu-se um adolescente ingênuo. Sim, afinal tudo não passava de uma adoração ingênua. A própria imagem que não lhe saía da cabeça, de umas pernas harmoniosas cobertas com meias escuras, ele a via como um fim em si. E detinha-se a namorar eternamente essa imagem, preso a ela como um cristão fiel prende-se à cruz.

Num surto de sobriedade, agitou a cabeça a fim de expulsar, ao menos momentaneamente, a imagem, e foi dali a outras paragens. Respirou outros ares, jogou algumas palavras fora, espiou outras pernas, sem meias escuras. Houve um instante que julgou estar no caminho da libertação, mas ao cabo a experiência em vez de o curar o pôs mais doente ainda, com o agravante que lhe confundiu completamente o quadro.

Agora anda por aí desencontrado, o olhar mole e perdido... sai para caminhar ao anoitecer, aspira o ar carregado do perfume das flores, que é mais nítido ao cair da noite... por vezes, olha para o céu, como se esperasse por uma resposta a alguma pergunta que nem mesmo conhece... e continua andando, arrastado pelo vento. Assim vai, até encontrar um obstáculo que o derrube ao chão ou até que acabe a força que lhe deu movimento. Assim vai, como um pneu solto posto a rodar no asfalto. Vai rodando, rodando...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Enfim, o tal aprendizado...

Eu quisera falar sobre aprendizado quando falei sobre a dor e a arte, mas cogitei depois que podia ficar complexo demais; a coisa podia se perder... resolvi, então, fazê-lo em ocasião própria. Pois bem, aí vai. Inicialmente, há que ficar claro que o que segue não são verdades absolutas; nem o propósito aqui é adotar qualquer estilo dogmático. Trata-se de percepções, e a ressalva é válida, afinal não se sabe até que ponto os sentidos...

Como dizia, eu queria ter falado do aprendizado quando falei da dor porque esses elementos, por vezes, caminham juntos. Toda dor carrega em si um aprendizado. Isso porque a dor resulta da falta de algum conhecimento necessário e só vamos dar pela falta do mesmo quando a cabeça já deu contra o muro. Daí temos como resultado a testa rachada e o tal aprendizado... Não digo que a dor seja a única forma de se aprender, mas talvez seja a mais eficaz.

A fim de evitar a dor, torna-se atraente a ideia de ter todo o conhecimento de antemão. Eu mesmo tenho pedido ao mestre: ensina-me, de uma vez, tudo, tudo, tudo! Mas a coisa não se desenha por aí. Não há fugir de alguns tropeços. Eles são necessários. Isso me faz lembrar de um conto curioso de Machado de Assis, chamado A segunda vida.

A cena do conto se desenrola na casa de um padre, que recebe um sujeito desconhecido, e que, ao ouvi-lo por um instante, cuida se tratar de um lunático. Conta o sujeito que morrera alguns anos ou décadas antes e que, ao expirar, viajara no espaço até muito além do sol e estrelas, onde foi recebido com celebração universal. A celebração se devia ao fato de ele completar um milheiro de almas que chegavam àquele lugar. Nesse caso, como era de regra, tinha ele a oportunidade de retornar a Terra. Não havia negar, mas podia escolher a condição. Disse então que não se importava se, na nova vida, fosse rico ou pobre, preto ou branco, contanto que fosse experiente. E assim se fez. Renasceu com toda a experiência da outra vida. E foi a pior escolha que podia ter feito! Teve uma infância aborrecida. Chorava o menos que podia, para não apanhar; não subia em árvores, nem trocava muros com outros moleques, coisas naturais da idade, por prever o sangue e a contusão. Mais tarde, quando pintava uma paixão e a ideia do casamento, hesitou antes mesmo de viver aquilo. E se com os anos de casamento viesse o fastio? E se viesse algum filho aleijado? Anos depois, em frente ao padre, ele concluiria, num assomo de histeria, que entre as cabeças quebradas da primeira vida e o tédio da segunda, antes as cabeças quebradas!

Definitivamente, alguns tropeços são necessários. Há de se cuidar, no entanto, em ir devagar, às apalpadelas, a fim de evitar alguma pancada forte. E, sendo pragmático e compartilhando, meu leitor, abro minha mala e retiro, por entre a poeira, o que ficou depois de algumas escorregadas pela vida afora. Segue abaixo.

Em primeiro lugar, o futuro. Temos para o futuro projeções e tendências, mas é prudente ter consciência que não se pode prever como vamos pensar ou agir. Nós somos personagens, tal qual em uma novela, onde o dramaturgo ainda não sabe como será o final da estória e vai brincando com os elementos ao leve sabor da experimentação. Assim, é preciso tomar cuidado com o uso do vocábulo nunca. Em segundo lugar, é sensato não ter a ilusão de que podemos controlar o mundo. Mal podemos controlar a própria mente e os sentimentos, que diabos achamos que podemos controlar? Por fim, é benéfico cultivar sentimentos como humildade e gratidão. Humildade porque não se é tão forte quanto se acredita, e existe sempre por trás do escudo uma fraqueza, mesmo que não seja conhecida. Em relação à gratidão, se a temos, a vida se torna mais leve, a cabeça fica em paz com Deus e os homens e as novas conquistas trazem sempre um sabor especial.

Olha, meu leitor, se essa filosofia barata te prestar alguma contribuição, é coisa que me deixaria honrado! Afora isso, penso que fiz bem ter escrito. Isso porque antes de escrever para você, eu escrevo para mim mesmo. Colocar as coisas no papel é uma forma de consolidá-las e ajuda a memória. E o fim maior é evitar pancadas fortes.

sábado, 14 de agosto de 2010

Da dor e da arte

Aí estão dois elementos de natureza distinta, mas intimamente relacionados. O primeiro é sentimento; o segundo, expressão. Um é sentidos, o outro músculos.

Todo ser há de carregar sobre os ombros um pouco de dor. Uns carregam mais, outros menos, é verdade. Como já dizia Shakespeare, cada um sabe as dores e delícias de ser o que é. E uma pitada de tristeza não faz mal. Dizem os artistas, que embeleza o quadro, embora à primeira vista isto parece soar incompreensível.

Da dor, floresce a arte, que se apresenta como um canal de transcendência, por onde se entra em contato com o divino. Dor e arte convivem numa relação de simbiose. A arte suprime a dor, exatamente porque a primeira pressupõe a aceitação da segunda.  Pode-se dizer que se trata de um estado de consciência. É a partir daí que se quebra um vínculo, quando o ser, em sua transcendência, desincorpora.

E a arte, por sua vez, precisa da dor. Diz a música que pra se fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba não.

Os verdadeiros artistas carregam tristeza em alta dose. Mas, por sua vez, eles possuem um tesouro raro: a arte! Dor e arte pintam, no quadro da vida, o inabalável equilibrio.

domingo, 1 de agosto de 2010

O amor que você nega é a dor que você carrega

Dias atrás recebi uma visita que me rendeu esta crônica. Trata-se de um moleque amigo meu, recém ingresso na universidade. Carrega toda a espalhafatice da idade, mas é um sujeito desperto e em alguns aspectos pode-se dizer que está adiantado a seu tempo.

Em poucos minutos de conversa, confessou-me ter descoberto a lei do universo, e de forma extremamente verossímil, me expôs, argumento sobre argumento, uma teoria originada a partir de estudos que ele vinha empreendendo há algum tempo e que não me atrevo a descrevê-la aqui por completo. Digo só que fiquei atônito, ouvindo cada detalhe daquela teoria que envolvia extraterrestres, linhagem e evolução humana, reis e governantes.

Advertiu-me, no entanto, e aqui está a razão de eu ser breve, que não ficasse espalhando por aí, que a coisa era secreta e reservada a um pequeno grupo; se eu fosse dar com a língua nos dentes e a coisa fosse cair nas mãos erradas...

Para fins didáticos, as leis e princípios têm nomes e o meu amigo não deixou de nomear a sua. Aqui entra o título da crônica. Sim, meu caro leitor. Isso mesmo! O meu amigo me dizia que a lei do universo não era a lei da física, como queriam alguns, e recitava, excitado com a descoberta, quase que palavra por palavra a máxima que resumia tudo: o amor que você nega é a dor que você carrega... Faça o uso que bem lhe aprouver, leitor. Quanto a mim, anotei-a com esmero e segue registrada aqui.