segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Enfim, o tal aprendizado...

Eu quisera falar sobre aprendizado quando falei sobre a dor e a arte, mas cogitei depois que podia ficar complexo demais; a coisa podia se perder... resolvi, então, fazê-lo em ocasião própria. Pois bem, aí vai. Inicialmente, há que ficar claro que o que segue não são verdades absolutas; nem o propósito aqui é adotar qualquer estilo dogmático. Trata-se de percepções, e a ressalva é válida, afinal não se sabe até que ponto os sentidos...

Como dizia, eu queria ter falado do aprendizado quando falei da dor porque esses elementos, por vezes, caminham juntos. Toda dor carrega em si um aprendizado. Isso porque a dor resulta da falta de algum conhecimento necessário e só vamos dar pela falta do mesmo quando a cabeça já deu contra o muro. Daí temos como resultado a testa rachada e o tal aprendizado... Não digo que a dor seja a única forma de se aprender, mas talvez seja a mais eficaz.

A fim de evitar a dor, torna-se atraente a ideia de ter todo o conhecimento de antemão. Eu mesmo tenho pedido ao mestre: ensina-me, de uma vez, tudo, tudo, tudo! Mas a coisa não se desenha por aí. Não há fugir de alguns tropeços. Eles são necessários. Isso me faz lembrar de um conto curioso de Machado de Assis, chamado A segunda vida.

A cena do conto se desenrola na casa de um padre, que recebe um sujeito desconhecido, e que, ao ouvi-lo por um instante, cuida se tratar de um lunático. Conta o sujeito que morrera alguns anos ou décadas antes e que, ao expirar, viajara no espaço até muito além do sol e estrelas, onde foi recebido com celebração universal. A celebração se devia ao fato de ele completar um milheiro de almas que chegavam àquele lugar. Nesse caso, como era de regra, tinha ele a oportunidade de retornar a Terra. Não havia negar, mas podia escolher a condição. Disse então que não se importava se, na nova vida, fosse rico ou pobre, preto ou branco, contanto que fosse experiente. E assim se fez. Renasceu com toda a experiência da outra vida. E foi a pior escolha que podia ter feito! Teve uma infância aborrecida. Chorava o menos que podia, para não apanhar; não subia em árvores, nem trocava muros com outros moleques, coisas naturais da idade, por prever o sangue e a contusão. Mais tarde, quando pintava uma paixão e a ideia do casamento, hesitou antes mesmo de viver aquilo. E se com os anos de casamento viesse o fastio? E se viesse algum filho aleijado? Anos depois, em frente ao padre, ele concluiria, num assomo de histeria, que entre as cabeças quebradas da primeira vida e o tédio da segunda, antes as cabeças quebradas!

Definitivamente, alguns tropeços são necessários. Há de se cuidar, no entanto, em ir devagar, às apalpadelas, a fim de evitar alguma pancada forte. E, sendo pragmático e compartilhando, meu leitor, abro minha mala e retiro, por entre a poeira, o que ficou depois de algumas escorregadas pela vida afora. Segue abaixo.

Em primeiro lugar, o futuro. Temos para o futuro projeções e tendências, mas é prudente ter consciência que não se pode prever como vamos pensar ou agir. Nós somos personagens, tal qual em uma novela, onde o dramaturgo ainda não sabe como será o final da estória e vai brincando com os elementos ao leve sabor da experimentação. Assim, é preciso tomar cuidado com o uso do vocábulo nunca. Em segundo lugar, é sensato não ter a ilusão de que podemos controlar o mundo. Mal podemos controlar a própria mente e os sentimentos, que diabos achamos que podemos controlar? Por fim, é benéfico cultivar sentimentos como humildade e gratidão. Humildade porque não se é tão forte quanto se acredita, e existe sempre por trás do escudo uma fraqueza, mesmo que não seja conhecida. Em relação à gratidão, se a temos, a vida se torna mais leve, a cabeça fica em paz com Deus e os homens e as novas conquistas trazem sempre um sabor especial.

Olha, meu leitor, se essa filosofia barata te prestar alguma contribuição, é coisa que me deixaria honrado! Afora isso, penso que fiz bem ter escrito. Isso porque antes de escrever para você, eu escrevo para mim mesmo. Colocar as coisas no papel é uma forma de consolidá-las e ajuda a memória. E o fim maior é evitar pancadas fortes.

4 comentários:

  1. Belíssimo texto Bordignon, parabéns pela escrita.
    São sábias as palavras quando falas que a dor ensina, entretanto é importante ressaltar que o grau de evolução de cada indivíduo pode ser percebido conforme sua experiência. Ela faz com que saibamos que tudo, realmente tudo é passageiro. Que devemos aproveitar ao máximo cada momento, seja ele de felicidade ou tristeza. Que as oportunidades aparecem e somem na mesma medida. Que devemos agradecer cada dia vivido e sempre sonhar, mesmo que a concretização deste sonho seja em longo prazo. A experiência nos mostra que todos temos medos e superá-los é nosso obstáculo diário eterno. Medo de nascer, de ser abandonado, de ser traído, de ser amado, medo do novo, do velho, do certo e do errado. Medo do mar, do ar, da falsidade, da inveja, do egoísmo, do falso amigo. Medo de tudo que não possamos controlar, ou até do que é nossa incumbência controlar. Medo de morrer, medo de Viver! A experiência vai nos ensinando a aprender com estes medos, a medir as consequências de determinados atos, mas não deixar de fazê-los e ficar estacionados. Desta forma, busquemos eternamente a evolução. Infelizmente, ou felizmente, não existe medidor de experiência. Mais saibamos que já nascemos sim com ela, mesmo que não percebemos isto quando criança. Que acumulamos eternamente os conhecimentos e que em algum momento eles vêm a tona. Portanto amigo, sigamos buscando a melhoria diária, seja dando com a cara na parede, ou aprendendo com o erro alheio, ou até mesmo lembrando uma situação já vivida.
    A experiência é extremamente individual. Eu tenho a minha, que é diferente da sua, assim como de qualquer outro indivíduo. Aliás assim defino experiência: a maneira com que cada um vê o mundo. Que possamos ver mundos melhores de diversas maneiras.
    Seja feliz irmão e grande abraço! Aloha!!!

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  2. ah, surfista, não sabe com que surpresa e admiração deparei com teu comentário aqui! Sim, mano, as experiências são individuais, mas eu ainda espero algum dia compartilharmos mais! Manda notícias! Aloha!!

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  3. Nossa Evandro! fiquei tão surpresa e tão grata com este post e com o comentário do cidadão ali. Vou reler e "sugar' esta informação, que me soa como um "alerta"!

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  4. Este post me inspirou. :) Há pouco tempo passei por estas mesmas reflexões. Acho que ainda passo... Escrevinharei algo em um próximo capitulo de meu blog, talvez. rs De toda forma, o que enriquece são as reflexões, as trocas. Gracias!

    … "é benéfico cultivar sentimentos como humildade e gratidão. Humildade porque não se é tão forte quanto se acredita, e existe sempre por trás do escudo uma fraqueza, mesmo que não seja conhecida".

    É isso aí. De que adianta ficar escondido sob o manto de uma carapaça? Não se sofre, é certo (ou se pensa que não se sofre). Mas do que adianta se vangloriar do não sofrimento, se se sem a hipótese de não se arriscar, igualmente não poderemos acertar? É o que eu denomino de falsos acertos. Muito melhor errar, se perder e enfim se encontrar, do que ficar eternamente perdido, imerso numa ausência de sentidos.

    "Definitivamente, alguns tropeços são necessários. Há de se cuidar, no entanto, em ir devagar, às apalpadelas, a fim de evitar alguma pancada forte. E, sendo pragmático e compartilhando, meu leitor, abro minha mala e retiro, por entre a poeira, o que ficou depois de algumas escorregadas pela vida afora. Segue abaixo".

    Eis uma lição difícil de fazer. A tendência é a imersão absoluta. Sempre me questiono se o certo mesmo é ir as às apalpadelas. Isso porque agindo assim, se ameniza os sentidos. Experiências com ausência ou pouco de sentido não sei se são válidas para o aprendizado. Quanto mais intensos formos, mais dor, é certo, sentiremos. Por outro lado, ganharemos mais força, com certeza. Para além da força, as experiências mais ricas. Preferível chegar aos 70, 80 anos e lembrar dos tropeços podendo dizer que se viveu, que se buscou, que se ousou, do que recordar e encontrar o vazio em razão de apalpadelas, penso.

    "A fim de evitar a dor, torna-se atraente a ideia de ter todo o conhecimento de antemão. Eu mesmo tenho pedido ao mestre: ensina-me, de uma vez, tudo, tudo, tudo! Mas a coisa não se desenha por aí. Não há fugir de alguns tropeços. Eles são necessários. Isso me faz lembrar de um conto curioso de Machado de Assis, chamado A segunda vida".

    Hmmm eis uma questão muito interessante esta. "Ter todo conhecimento de antemão". Isso me lembra um livro que reli há pouco tempo. Vou compartilhar um trecho:

    "O senhor é tão moço, tão aquém de todo começar que lhe rogo, como melhor posso, ter paciência com tudo o que há para resolver em seu coração e procurar amar as próprias perguntas como quartos fechados ou livros escritos num idioma muito estrangeiro. Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas, porque não as poderia viver. Pois trata se de viver tudo. Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois, aos poucos, sem que o perceba, num dia longínquo, consiga viver a resposta. Quiçá carregue em si a possibilidade de criar e moldar, - como uma maneira de ser particularmente feliz e pura. Eduque-se para isto, mas aceite o que vier com toda a confiança. Se vier so da sua vontade, de qualquer necessidade de seu ser intimo, aceite-o e não o odeie. A carne é um peso difícil de se carregar. Mas é difícil o que nos incumbiram; quase tudo que é grave é difícil: e tudo é grave. Se chegar a reconhecer isto e a alcançar, - partindo de si, de sua inclinação e de sua maneira de ser, de sua experiência e infância – uma relação inteiramente sua (livre de convenções e costumes) com a carne, não mais devera temer o perder-se e o torna-se indigno de sua posse mais preciosa".

    Por fim:

    "Toda dor carrega em si um aprendizado".

    Verdade.

    Cabe saber se há disposição para tal.

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