Eu quisera falar sobre aprendizado quando falei sobre a dor e a arte, mas cogitei depois que podia ficar complexo demais; a coisa podia se perder... resolvi, então, fazê-lo em ocasião própria. Pois bem, aí vai. Inicialmente, há que ficar claro que o que segue não são verdades absolutas; nem o propósito aqui é adotar qualquer estilo dogmático. Trata-se de percepções, e a ressalva é válida, afinal não se sabe até que ponto os sentidos...
Como dizia, eu queria ter falado do aprendizado quando falei da dor porque esses elementos, por vezes, caminham juntos. Toda dor carrega em si um aprendizado. Isso porque a dor resulta da falta de algum conhecimento necessário e só vamos dar pela falta do mesmo quando a cabeça já deu contra o muro. Daí temos como resultado a testa rachada e o tal aprendizado... Não digo que a dor seja a única forma de se aprender, mas talvez seja a mais eficaz.
A fim de evitar a dor, torna-se atraente a ideia de ter todo o conhecimento de antemão. Eu mesmo tenho pedido ao mestre: ensina-me, de uma vez, tudo, tudo, tudo! Mas a coisa não se desenha por aí. Não há fugir de alguns tropeços. Eles são necessários. Isso me faz lembrar de um conto curioso de Machado de Assis, chamado A segunda vida.
A cena do conto se desenrola na casa de um padre, que recebe um sujeito desconhecido, e que, ao ouvi-lo por um instante, cuida se tratar de um lunático. Conta o sujeito que morrera alguns anos ou décadas antes e que, ao expirar, viajara no espaço até muito além do sol e estrelas, onde foi recebido com celebração universal. A celebração se devia ao fato de ele completar um milheiro de almas que chegavam àquele lugar. Nesse caso, como era de regra, tinha ele a oportunidade de retornar a Terra. Não havia negar, mas podia escolher a condição. Disse então que não se importava se, na nova vida, fosse rico ou pobre, preto ou branco, contanto que fosse experiente. E assim se fez. Renasceu com toda a experiência da outra vida. E foi a pior escolha que podia ter feito! Teve uma infância aborrecida. Chorava o menos que podia, para não apanhar; não subia em árvores, nem trocava muros com outros moleques, coisas naturais da idade, por prever o sangue e a contusão. Mais tarde, quando pintava uma paixão e a ideia do casamento, hesitou antes mesmo de viver aquilo. E se com os anos de casamento viesse o fastio? E se viesse algum filho aleijado? Anos depois, em frente ao padre, ele concluiria, num assomo de histeria, que entre as cabeças quebradas da primeira vida e o tédio da segunda, antes as cabeças quebradas!
Definitivamente, alguns tropeços são necessários. Há de se cuidar, no entanto, em ir devagar, às apalpadelas, a fim de evitar alguma pancada forte. E, sendo pragmático e compartilhando, meu leitor, abro minha mala e retiro, por entre a poeira, o que ficou depois de algumas escorregadas pela vida afora. Segue abaixo.
Em primeiro lugar, o futuro. Temos para o futuro projeções e tendências, mas é prudente ter consciência que não se pode prever como vamos pensar ou agir. Nós somos personagens, tal qual em uma novela, onde o dramaturgo ainda não sabe como será o final da estória e vai brincando com os elementos ao leve sabor da experimentação. Assim, é preciso tomar cuidado com o uso do vocábulo nunca. Em segundo lugar, é sensato não ter a ilusão de que podemos controlar o mundo. Mal podemos controlar a própria mente e os sentimentos, que diabos achamos que podemos controlar? Por fim, é benéfico cultivar sentimentos como humildade e gratidão. Humildade porque não se é tão forte quanto se acredita, e existe sempre por trás do escudo uma fraqueza, mesmo que não seja conhecida. Em relação à gratidão, se a temos, a vida se torna mais leve, a cabeça fica em paz com Deus e os homens e as novas conquistas trazem sempre um sabor especial.
Olha, meu leitor, se essa filosofia barata te prestar alguma contribuição, é coisa que me deixaria honrado! Afora isso, penso que fiz bem ter escrito. Isso porque antes de escrever para você, eu escrevo para mim mesmo. Colocar as coisas no papel é uma forma de consolidá-las e ajuda a memória. E o fim maior é evitar pancadas fortes.